COLUNA ARTE NO OESTE: JOELMA ALVES ENTRE A ANGÚSTIA E A INDIGNAÇÃO

Joelma Alves nascida em Santa Maria da Vitória e atualmente morando em São Felix do Coribe, começa sua trajetória com tesoura e papel e em um pequeno bate papo com o nosso blog de notícias ela nos conta um pouco da sua carreira: ''Através dos recortes e das formas, pra mim era essencial naquele momento inicial, eu estava em busca de um caminho '' diz a artista. 


 Através dos recortes geométricos, ora labirintos, ora encaixes, Joelma ia construindo uma ideia. Ela ainda não imaginava, mas aqueles recortes serviriam como base para um projeto sensorial. Sobre o mesmo a artista comenta:  ''Um projeto que une arte educação ...queria ter tido a oportunidade de levar o projeto a uma escola porém não tive tempo o suficiente para isso''. O projeto em questão seria a Instalação '' Arte Sensorial - A Percepção dos Sentidos'' de 2018. A ideia da artista era criar 3 peças chamado por ela de ''arte-objetos educativos'' afim de serem experimentados por pessoas com necessidades especiais, trabalhando o estimulo multi-sensorial. Nas palavras de Joelma: ''A necessidade da inclusão da arte na vida das pessoas com múltiplas deficiências e que as vezes, desconhecem o universo das expressões artísticas por estarem longe de grandes centros culturais ou por fatores sociais não são introduzidas nessa experiência''. Joelma nesta fase tinha muito bem demarcado em sua fala a questão de uma espécie de democratização da arte, uma arte para que todos tivessem acesso independente de classe ou condição física. Trabalhou arduamente na questão do acesso a arte e executou uma exposição onde todo o sensorial era ali trabalhado. Uma experiência intensa. E um olhar diferenciado da artista ao ter o gesto de trabalhar com a arte desta forma global e não-limitada.


Ainda em 2018, a artista escuta suas inquietações mais profundas para o ato ''Porquê se cala''. A performance aconteceu na Praça do Jacaré em Santa Maria da Vitória-BA, realizada dentro de um evento organizado por mulheres da cidade, onde se dialogava os 12 anos da aprovação da lei Maria da Penha. Joelma conta um pouco sobre essa experiência: ''Dentro desse projeto eu fiz a performance que falava  justamente dessa questão da denúncia, da violência contra as mulheres e foi pra mim muito pessoal aquela performance.'' Para a realização desse projeto, Joelma achou essencial a criação de um trajeto que seria desde a igreja até a delegacia. Fazendo assim, uma alusão ao casamento e a violência que acontece dentro deste: ''Toda mulher na situação de vulnerabilidade ela deveria sempre fazer este caminho, ainda que seja nosso sonho, nossos sonhos um dia podem se transformar em uma grande tragédia. E não pode haver outro caminho a não ser a denúncia.  O sonho pode se tornar um pesadelo para ela sair de círculo de relacionamentos abusivos. A denúncia é o que liberta. É a voz da mulher que faz ela alcançar esta liberdade''. Com a sua performance Joelma chamou atenção de vários homens e mulheres que passavam por ali. Chamou atenção para um assunto que acontece dentro de tantas famílias e que são assuntos silenciados pela violência. Com sua ação Joelma encoraja mulheres que sofrem algum tipo de repressão em seus casamentos a terem atitude de coragem e sair do ciclo de abusos.

No ano de 2019, Joelma alcança novas possibilidades de expressão no trabalho com a cerâmica. Ela comenta do deslocamento que sentiu para com alguns colegas artistas que utilizavam de moldes e ela sempre no laboratório fazendo seu trabalho no estilo mão livre: ''Num momento que eu ainda estava a nessa vertente da argila em forma de barbotina liquida eu senti um distanciamento de outros colegas de trabalho com suas peças que precisavam ser moldadas e eu não passei por este processo...mas ainda sim...fazer estas peças e saber da importância desse trabalho foi maior que a própria técnica. Este trabalho fala um pouco da trajetória do movimento feminista negro no brasil principalmente la pra 86 em diante ate os anos 90...eu trago a narrativa não na narrativa do mito de origem...a pesquisa foi além, eu quis falar do Brasil como se deu isso...quem era essa artista, essa artesã?...narro essa história trago essa trajetória e faço essa reflexão no hoje...tantas mulheres hoje que estão em lugares que jamais poderiam estar ha tantos anos atrás ocupados. mulheres negras que estão ocupando lugares cada vez mais estratégicos cada vez mais importantes hoje em dia. Eu faço essa trajetória desde a origem até os dias atuais. Trago esse lugar de voz de identidade que todas essas mulheres assim como eu estão ocupando. pra mim foi muito interessante esse projeto''. Joelma se coloca assim, numa posição de confronto para além da técnica ceramista, desenvolvendo outros métodos para contar sua história em seu desenvolvimento com a argila, além de dialogar essa história apagada, que é a história das mulheres feministas negras no Brasil. Um trabalho de extrema relevância quanto no que tange a técnica quanto na história a ser contada através de suas cerâmicas.

A artista também trabalhou com ações artísticas em lugares poucos prováveis. Joelma escolheu o banheiro da universidade onde cursa Artes Visuais (UFOB) para sua ação, onde colou nas paredes diversas frases em absorventes higiênicos abertos e colou tanto no banheiro feminino quanto no banheiro masculino. A ideia era deixar por 15 dias a  ação, e fazer um trabalho de percepção das pessoas para com a ação,  mas a artista conta que alguns absorventes foram retirados... ''No banheiro masculino um técnico da universidade, ele rasgou e jogou no lixo e ainda saiu pelos corredores falando que o trabalho era um absurdo e que se sentira ofendido com a ação. Essa ação movimentou professores em defesa do trabalho e inclusive o trabalho foi enviado para um seminário sobre arte educação na universidade''. O questionamento sobre a liberdade da mulher no período menstrual é o alvo junto ao  machismo relacionado diretamente ao ato de menstruar. O nome escolhido pela artista para ação foi '' Sangue ao alvo''. Colocando no centro da questão o por que o homem se incomoda e se acha no lugar de fala de um ato tão particular e feminino, a menstruação,  esta que é tão rodeada de tabus e mitos e que fazem o ato de menstruar um ato não-natural. Percebo no trabalho de Joelma um esforço para que tabus do corpo feminino sejam derrubados e que o olhar para com a menstruação seja um olhar naturalizado e se ofende um homem não seria isso uma questão machista decorrente do patriarcado? E se sim, o esforço é para derrubar e enfrentar esses padrões patriarcais. Mulher menstrua. É político. Não é uma questão dos homens. 

Outra ação artística de Joelma relacionada a questões de cunho corpo-político utilizando dos mesmos questionamentos da ação ''Sangue ao alvo'' foi um ação de sentar no corredor da faculdade com um vestido branco e utilizar seu próprio sangue para reproduzir as frases. ''Eu senti que meu trabalho chegou aonde deveria , quando um homem se incomoda é porque ele ( o projeto Sangue ao Alvo ) tem uma força num primeiro momento e eu não compreendi isto..até então eu estava mais chateada com o cara do que pensando na força do meu trabalho. Então pra mim foi muito interessante. No dia que fiz essa apresentação essa performance...eu estava totalmente imersa, algo  assim pra mim uma das experiencias mais intensas que já vivi. E falar um pouco sobre mim.'' Joelma neste momento passava por uma situação de retenção menstrual, isto intensificou na produção de seus trabalhos referentes ao seu processo menstrual. 


O trabalho mais recente é o projeto realizado na pandemia do Covid-19 chamado Atravessamentos que esta participando do edital Arte como Respiro do Itaú Cultural. O trabalho feito num momento delicado, se torna extremamente relevante para um dialogo de uma percepção situacional. Joelma trata neste trabalho de um momento de antes e depois da crise. A artista pode comentar um pouco sobre o processo: ''Foi retirado um pé de alfazema vivo galhos secos que representa a humanidade cada um de nós na sua rotina de cada dia e como fomos brutalmente envolvidos por um novo condicionamento que é representado pelo banho de argila em barbotina liquida criando um outro objeto ou um outro ser que seremos logo tudo isso passar e tendo como base para a escultura o sabonete que representa um elemento de extrema necessidade no combate ao vírus ou seja a base para que a sociedade sobreviva a essa pandemia logo a poética transita no universo das metamorfoses  e do que somos e podemos ser um futuro desconhecido. ''

A destemida artista Joelma Alves trás suas experimentações sempre de forma incisiva e questionadora. Ao trabalhar com arte educação sensorial nos chama atenção para um problema social do não-acesso a arte. Se arte é política por que tão seletiva? Quando Joelma trás a performance Porquê se cala é rígida no seu processo e mostra enquanto artista o seu poder de colocar questões tão problemáticas quanto a questão da violência contra a mulher. Ora se o papel do artista não é de denuncia, então qual é? As ações com absorvente colado na parede mostra a coragem para o enfrentamento de tabus como a menstruação. Junto a ação do corredor escrevendo com seu próprio sangue no vestido branco Joelma trás um simbolismo que impressiona e que mexe com o social retrógrado, machista e patriarcal. Se arte não é feminista então o que mais ela pode ser? Faço esses questionamentos de forma muito particular pois pude acompanhar muito de perto alguns dos trabalhos e sempre pude enxergar nos olhos desta grande artista e pessoa, uma sede inesgotável por expor suas angústias e indignações e o quanto isso pode ser muito positivo tocando outras pessoas que se identificam de forma direta com suas histórias contadas através de seus projetos. 

Fotos: cedidas gentilmente pela artista.

escultura em cerâmica (2019)

ação Sangue ao Alvo (2019)

projeto Atravessamentos (2020)

colagem (2018)

exposição Arte Sensorial - A Percepção dos Sentidos (2018) 

performance Porquê se Cala ( 2018)

desdobramento da ação Sangue ao Alvo (2019)







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